Miguel & Vargas

Multiparentalidade Post Mortem: O que o caso da enteada do Pelé nos ensina?

Há um ditado muito presente nas famílias contemporâneas: “Pai/mãe é quem cria”.

O termo “famílias contemporâneas” é muito utilizado para destacar a realidade das famílias brasileiras, pois a facilidade da dissolução do vínculo conjugal por meio do divórcio permitiu que novas modalidades de famílias viessem a existir.

Casais que se divorciaram passaram a formar novas famílias, muitos deles com filhos de relacionamentos anteriores, fazendo com que a figura do padrasto ou da madrasta fosse tão presente, ou até mais presente, do que a do pai/mãe biológico.

Essa convivência foi estreitando os laços de afeto, o que em muitos casos fez com que eles não se vissem mais como enteados/padrastos/madrastas, mas sim como pais e filhos.

Em muitos casos, padrastos/madrastas passaram a criar seus enteados com todo o afeto e cuidado, fazendo com que o amor superasse os laços de sangue, como no caso da enteada do Pelé.

Desde o seu 8º mês de vida, Gemima McMahon recebeu todo o amor do rei do futebol, com quem sua mãe, Assíria Nascimento, foi casada por anos, tendo inclusive outros dois filhos frutos dessa relação.

Pelé sempre foi muito presente na vida de sua enteada, considerando-a como filha, e em diversos momentos declarou na mídia sua paternidade socioafetiva.

Ocorre que a morte, mesmo sendo um fato certo, nunca é esperado, e Pelé não fez o reconhecimento dessa paternidade.

O instituto da paternidade socioafetiva permite o reconhecimento daquela pessoa fez a figura de pai, sem qualquer alteração do vínculo biológico, ou seja, é possível o reconhecimento do padrasto/madastra como pai/mãe, sem que sejam apagados dos registros o pai ou mãe biológicos.

Por isso a utilização do termo multiparentalidade, pois uma vez que reconhecida, poderá esse filho ter dois ou mais pais na sua certidão de nascimento.

Todavia, o recomendado é que essa relação seja reconhecida em vida, para que se evitem problemas na hora da abertura da sucessão, ou seja, no momento de os herdeiros receberem o que seu pai/mãe deixou.

A regulamentação em vida, inclusive, previne a instauração de caos entre irmãos.

Inclusive, esse reconhecimento de paternidade socioafetiva pode ser feito por testamento.

É possível o reconhecimento da multiparentalidade post mortem (após a morte), mas para isso precisará o filho socioafetivo passar por um processo judicial, que pode ser:

  • Litigioso: quando há conflitos/discussões sobre a existência daquela relação;
  • Consensual: quando todos tiverem de acordo;

E, uma vez reconhecida a paternidade/maternidade socioafetiva, seja ela em vida ou pós morte, não há distinção entre os irmãos, podendo o filho socioafetivo se habilitar no inventário e requerer o que lhe é direito.

No caso da enteada do Pelé, como o processo corre em segredo de justiça, não há como ter acesso ao processo para acompanhar o que foi decidido.

Mas a torcida é que o afeto prevaleça e “Gege”, como o rei do futebol chamava a sua filha, tenha esse direito reconhecido.

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